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Bibliotecas Cool

Observar - Ler - Sentir - Ouvir - Refletir

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04.Dez.20

Ser Escritor é Cool - Resultados do 1ºdesafio | 3ºciclo

Bibliotecas Cool tem a honra de dar a conhecer os vencedores do 1º Desafio do 3º ciclo, da edição de 2020/2021 do concurso de Escrita "Ser Escritor é Cool". Tivemos um total de  3182 votos do público e o júri teve uma árdua tarefa.

Parabéns a todos os jovens escritores que nos enviaram os seus textos.

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Divulgamos os vencedores deste 1º desafio, subordinado ao tema "Não tenho nada para fazer! E agora?" e os seus textos.

 

1ºlugar -  Beatriz Grácio, Agrupamento de Escolas nº2 de Abrantes

Capítulo I: Chegaste

Eram sete. Sexta-feira, dez de novembro, às sete da tarde. E assim que a hora passou, das seis e cinquenta e nove às sete, o reboliço começou instantaneamente, o reboliço do qual me queria manter o mais longe possível. E quando me quero manter afastado das coisas, vou para outro lado. A melhor forma de ir para outro lado é ler; como tal, quando vi que eram seis (que as viagens para outros universos demoram sempre um bocado, como sabes), desliguei a televisão, fechei as janelas e tranquei-me no escritório a ler. E assim passei o tempo até às seis e cinquenta, quando a tua avó Aline me mandou ir para a sala, para te receber quando chegasses. Tu sabes que eu sou teimoso, mas oiço a avó Aline. Sou teimoso e não há nada que cure esta doença horrível! E tu bem sabes, que a herdaste também… Assim, fui para a sala, mas não larguei O nome da Rosa, que já tinha lido carradas de vezes, mas estava a ler outra vez. Sentado no sofá, escolhi negar que a minha cabeça estava mais em ti do que no convento italiano.

Então a campainha tocou e deixei de ouvir tão bem a lareira a crepitar. A tua avó abriu a porta e estavas lá tu, se bem te lembras, encharcada da cabeça aos pés, por causa da tempestade imensa cuja trovoada ruidosa se fazia ouvir nessa noite. Percebi que a assistente falava com a tua avó, mas não consegui compreender muito do que ela disse. Só me lembro de vislumbrar uma roupa toda azul e uma voz enfadonha. Depois, a porta fechou-se e deixei de ouvir a tempestade, assim como a voz da assistente social. Foi neste momento que dei por mim, com o livro fechado, a espreitar pela porta; sentei-me no cadeirão à pressa e culpei todos estes ruídos pelo desvio da minha atenção.

A seguir, só me lembro de ouvira voz da tua avó e os vossos passos a caminhar para a sala onde eu estava.

-Catarina, cumprimenta o avô Fausto! - a tua avó faz-me sinal para que te cumprimente.

Num só segundo, em que te olhei de cima a baixo, ponderei tudo o que podia vir de ti. Para um velho carrancudo, frustrado e de mente fechada, não há ameaça pior que uma alma jovem de seis anos, com um sorriso aberto à sua frente. Pura e simplesmente, estava sem saber o que sentir e em completa apatia.

Fomos jantar. Mas antes de irmos, a tua avó disse-me uma das poucas coisas que me deixaram verdadeiramente envergonhado comigo mesmo: “Vê se controlas o teu mau feitio. Ela não é a Margarida. É uma criança. E ai de ti se descarregares nela o teu rancor!”. A seguir ao jantar, a tua avó brincava contigo, e lembro-me da explosão de cores dos teus brinquedos no tapete da sala. Eu, claro, lia. Ou pelo menos tentava ler. E, assim do nada, tu olhaste para mim (quando a avó foi arranjar o quarto de visitas para dormires) e perguntaste:

-O acidente de carro da mamã foi muito mau? Ela vai sair rápido do hospital, não vai?

Mas perguntaste isto com toda a naturalidade, o que me deixou perplexo. Sem saber o que dizer, o que pensar ou até sentir. Saber até sabia: tinha de dizer que “sim”. Mas sentir era algo que não fazia há muitos anos.

-Ela é nova.

Nova. A única característica que me ocorria para descrever a tua mãe.

-Nova? - perguntaste.

-Sim, nova. Só tem vinte e quatro anos. Teve-te aos dezoito e…

Foi aí que a tua avó entrou na sala. E o olhar que ela me dirigia era o mesmo que te lançou quando partiste a porcelana chinesa, tinhas tu aí uns dez anos. Só que com muita mais ira. Parecia que a tua avó estava prestes a engolir-me vivo, mas, felizmente, tu decidiste esquecer aquela conversa.

-Que livro é esse que tens na mão? Também gostas de ler - perguntaste, curiosa, como se eu fosse teu amigo de escola.

-Não é para a tua idade. É sobre uma igreja muito grande – respondi eu, não conseguindo pensar em mais nada a tempo.

-A mãe disse-me que tu és jornalista e escritor. Posso ler as tuas histórias?

-Não escrevo histórias - atirei eu, desta vez, sabendo logo o que responder.

-Então escreves o quê?

Aí, esqueci-me de mim. Esqueci-me de tudo, a minha cabeça escolheu não pensar em nada, naquele momento. Levantei-me e fomos até ao escritório, onde te li as crónicas que escrevi para vários jornais, e expliquei-te o que significavam. Viste que eu não contava histórias, só retratava a realidade. Sendo uma criança, é claro que ficaste um bocado desapontada, pois estavas à espera de encontrar príncipes e princesas, dragões e reinos encantados… Mas eu mostrei-te críticas ao governo. Ainda assim, não perdeste o interesse: nunca paraste de me fazer perguntas sobre isto e aquilo. Das mil e uma interrogações sobre livros, lembro-me particularmente bem de uma:

-Achas que os livros vão acabar? Dizem que, no futuro, já ninguém vai ler…

Parei, olhei-te, pensei. Cheguei à conclusão de que nunca iria achar uma resposta perfeita para as tuas perguntas, mas lá me arranjei e expus a minha sincera opinião.

-Não sei. Mas espero que não acabem. Sabes, os livros são o que nos ensina a teletransportar-nos para outros universos. Quando queremos ver outros mundos, basta agarrar-nos a um livro e estamos a viver outra vida, a ver outras pessoas e outras coisas. Nunca deixes de gostar de ler. Para mim, os livros são assim como um tesouro. Poucos são aqueles que ainda leem, mas a leitura é uma das maiores riquezas da humanidade. Um objeto destes, com a sua magia, pode levar-nos a esquecer todas as coisas à nossa volta. Se um dia os livros desaparecerem, como dizes, nunca vamos poder sair deste mundo aborrecido; e não sei onde vai parar a humanidade, presa neste mundo, sem ver outros para além deste...

Comecei a escrever, então, numa folha de papel.

-O que estás a escrever? - perguntaste.

-A anotar a tua pergunta – respondi. - Vai dar uma boa crónica.

 

2º lugar - Joana Feiteirona, Agrupamento de Escolas José Régio

O livro tem fim à vista? E a leitura?

O livro tem fim? É uma boa pergunta. (Poderá vir a ter, mas eu não concordo).

Cada vez existem menos pessoas a comprarem livros, por duas simples razões: ou porque os livros são muito caros ou porque não leem. Há livros bastante caros e uma pessoa que não tem possibilidades financeiras, não pode comprá-los. É um bocado injusto e é por isso que existem livros “online” que são gratuitos ao fazer-se “download” ou é mais barato que um livro “físico”.

As outras pessoas, aquelas com possibilidades financeiras para comprar um bom livro, decidem descarregá-los “online”; o que eu não acho mal, mas espero que os livros não acabem, só por serem menos vendidos.

Muita gente fica a perder se os livros acabarem. As editoras não iriam precisar de tantas pessoas para trabalhar, logo aí, haveria mais pessoas desempregadas. Há ainda pessoas, como eu, que não conseguem ficar a olhar para um ecrã muito tempo, pois faz mal à saúde; por alguma razão, as crianças usam óculos cada vez mais cedo e com maior graduação…

Com um livro eu sinto-me bem, sinto-me mais intelectual e cheirar um livro novinho em folha é algo que eu faço e não sou a única.

Gostava muito que o livro não tivesse fim. Não gostava que o meu neto fosse a um museu e visse um livro envidraçado e onde estivesse escrito: “Cuidado! Frágil! Era com este objeto que as pessoas liam até ao século XXI.”

Tenho a certeza de uma coisa: a leitura nunca irá acabar! Não pode acabar! Como seria o mundo sem a leitura? Conseguiríamos sobreviver sem a leitura? Até me faz impressão pensar nisso.

Se pensarmos bem, os homens das cavernas não liam e adaptaram-se; mas se pensarmos melhor, eles liam os desenhos e nós, como já estamos tão habituados a ler, não iríamos conseguir sobreviver sem a leitura.

Se acabassem com a leitura, provavelmente seria por existir uma melhor maneira de comunicar. Mas o que é melhor para comunicar do que as palavras? É certo que também comunicamos quando lemos uma partitura musical, com as expressões faciais das pessoas ou com uma tela cheia de cores…

Estamos constantemente a ler, porque não é só com os livros que lemos. Em qualquer lado que vemos palavras, temos sempre o impulso de ler. É inevitável. Se vemos uma palavra escrita no quadro, automaticamente lemos essa palavra, não é preciso que o professor diga: “Leiam!”

Também não é só as palavras que lemos. Quando vou a uma loja, leio os preços; quando preciso de saber quanto tempo falta para acabar aula, preciso de ler as horas; quando tenho uma ficha de Matemática, tenho de saber ler bem as equações; quando faço um bolo, tenho de ler as quantidades de cada ingrediente; quando estou na banda, lemos as partituras musicais…

- leitura está em toda a parte. É impossível escapar-lhe! É impossível tirá-la das nossas vidas!

 

3º lugar:

- Leonor Antunes, Agrupamento de Escolas de Castelo Vide 

- André Gonçalves, Escola Secundária da Portela

 

Leonor Antunes, Agrupamento de Escolas de Castelo de Vide

A descoberta do mundo da literatura

No tempo em que os livros eram imperadores do saber, havia uma casa que eu gostava de visitar. Era lá que a minha avó trabalhava, e eu, sempre que os senhores estavam fora, aproveitava e deambulava entre salas e salões. Ao cimo das escadas, no corredor à esquerda, estava o portal da sabedoria; não era uma sala nem um salão de festas, era um escritório, assim lhe chamavam os senhores. Eu gostava de entrar e ficar parada a observar as estantes. Eram estantes sem vaga para mais nenhuma página. Estantes sem fim, com livros sem fim. Os livros, um mais pequeno que o outro, e um maior que o outro… era um cheiro do antigo, parecia que a sua sabedoria trespassava a nossa alma. O couro desgastado mostrava a quantidade de pessoas que por lá já haviam passado. As páginas eram amarelas e grossas, as letras cada vez se viam menos. Fui andando por entre as estantes, até que vi um grande livro vermelho, com o título “O príncipe Arthur”, peguei nele e sentei-me numa mesa lá ao pé. Quando pousei o livro na mesa, soprei e de lá saíram carradas de pó. Pela largura, o livro deveria ter 100 páginas. Pensei que era uma história curta e que acabaria logo o livro, então abri-o e comecei a ler:

O príncipe Arthur

Era uma vez um grande rei que vivia numa época muito distante. A sua mulher estava prestes a ter um filho. Eles discutiam que nome iriam dar à criança e passado pouco tempo ficou decidido que, se fosse menina, seria Cristal e, se fosse menino, seria Arthur.

Haviam passado 4 dias e a rainha começava a queixar-se de dores. Uma das criadas ao ver a situação saiu do quarto a correr para informar o rei. Ele, preocupado, desatou a correr até ao quarto da rainha, no entanto, quando chegou já era demasiado tarde tinha nascido um herdeiro, mas a rainha já não pertencia a neste mundo. O rei, desalmado, debruçava-se sobre o corpo da rainha, enquanto Arthur, de tronco nu, chorava sem parar. De repente, a porta abriu-se e de lá saiu Joseph, o irmão do rei que desde novo tentava conquistar o trono. Joseph entrou no quarto seguido de vários guardas reais. O rei, confuso, perguntou o que se estava a passar. Á medida que diz estas palavras, os guardas vão matando as criadas que estavam no quarto. Até que Joseph chegou perto do rei e disse:

-Este trono é meu e nem tu nem ninguém o roubará de mim.

Joseph trespassou o rei com a sua espada e, em seguida, pegou no pequeno Arthur e mandou-o pela janela fora. Uma criada, que estava escondida atrás da porta, ao ver a cena saiu do quarto de fininho e tentou encontrar o bebé. Ela procurou, de arbusto em arbusto, até que sentiu alguma coisa a mexer-se. Foi-se aproximando... Ao desviar o arbusto, ouviu um choro e era Arthur. Pegou nele e tentou fugir pela floresta adentro, mas ao fazer isso ela foi apanhada de surpresa pelo Joseph. A criada estava a fugir descalça com um bebé nos braços e fez de tudo para fugir de Joseph que vinha montado num cavalo. Ela entrou num caminho sombrio, onde nem o cavalo se atreveria a passar. Ela sabia que não podia entrar na floresta sombria, mas teve que se arriscar para salvar o pequeno Arthur.

Dezasseis anos depois, Arthur e a sua “mãe” moram numa pequena aldeia situada ao pé de um rio. Arthur acordou cedo para celebrar o seu décimo sexto aniversário e foi ao centro da aldeia para comprar comida. Ao voltar para casa, reparou que a porta estava entreaberta e viu alguns homens lá dentro. Arthur estava prestes a entrar quando viu a sua mãe a fazer sinal com a cabeça para não entrar.

- Diga-nos onde está o rapaz e juro não lhe fazer nada de mal. – dizia friamente um dos homens.

- Eu não sei do que está a falar, eu juro! – respondeu a mãe.

O homem voltou a perguntar e ela deu a mesma resposta. Ele, parecendo já meio irritado e impaciente, fez um movimento com as mãos e um dos soldados aproximou-se dela, sacou da espada e, com um movimento brusco, matou-a.

Arthur caiu em lágrimas e saiu a correr da cena. Perguntava-se o porquê de a terem matado. Quando voltou a casa passado algum tempo, os habitantes da aldeia estavam todos a olhar para dentro da casa. Enquanto isso, algumas pessoas começaram a espalhar rumores. Dizia-se que ela era uma criada do rei, que tinha fugido com o seu filho e que o tio vinha à procura do herdeiro do trono. Arthur ao ouvir isto fugiu para o meio da floresta e começou a perguntar-se se sabia quem ele realmente era.

- Se o que eles dizem é verdade, quero encontrar os meus pais biológicos. – Pensou Arthur.

Ele andou por dois dias até chegar às redondezas do castelo. Arthur infiltrou-se numa grande cidade, coberto por um manto esfarrapado e vagueou pelas ruas à procura de um sítio para passar a noite. Mal ele sabia que os guardas do castelo faziam uma limpeza às ruas durante a noite e, quando deu por si, foi arrastado para a prisão pelos guardas.

- Ei! – gritava Arthur a bater nas grades da cela. – Porque é que me prenderam? Eu não fiz nada de mal.

- Eles perderam-te porque és estrangeiro. Quem não for nascido aqui não pode entrar. – dizia uma voz com um tom rouco. – E não vale a pena gritar, eles não te iram ouvir.

Arthur confuso com a situação sentou-se no canto da cela, mas o que o deixava mais perplexo era que ele achava a voz do homem familiar.

- Por acaso eu conheço-o? – perguntava Arthur.

- Eu creio que não, mas porquê? - Perguntava o homem.

- O senhor tem uma voz muito familiar. – Respondia Arthur.

No momento que Arthur disse isso, ele teve alguns flashbacks de quando nasceu, lembrou-se que o seu pai tinha a mesma voz que este homem. Surpreso com o seu pensamento perguntou:

- Por acaso o senhor já foi rei?

O homem, surpreso, respondeu à pergunta:

- Sim, mas como é que sabes? – ainda surpreso, fez outra pergunta. – Quantos anos tens?

Arthur respondeu que tinha completado 16 anos há dois dias atrás. O antigo rei, espantado, pensou que ele podia ser o seu filho, mas ele havia morrido há 16 anos atrás.

Na verdade, toda a gente também pensava que o rei tinha morrido, mas felizmente espada não trespassou nenhum órgão importante e, como o rei não morreu, Joseph fê-lo prisioneiro.

- Por acaso tens alguma marca de nascença no teu ombro esquerdo com o formato de uma estrela? – perguntou o rei, que se lembrava desse pequeno pormenor quando pegou no filho pela primeira e única vez.

- Sim, tenho! – respondeu Arthur.

Naquele momento, ambos perceberam que, na verdade, eram pai e filho e passaram a noite toda a conversar como tinham ido parar ali. Depois de muito tempo de conversa, os dois começaram a planear uma maneira de fugir da prisão e voltar a conquistar o que era deles.

Às nove em ponto na hora de jantar, quando o guarda entrou para deixar a comida, Arthur atacou-o e tirou-lhe as chaves. Abriu a sua cela e a de seu pai e fugiram da prisão. Como o pai do Arthur era o antigo rei e conhecia o lugar, levou-o por um túnel secreto que ia dar à sala principal do castelo. Quando chegaram, deram de caras com Joseph, o tio malvado que roubara o trono. Naquele momento, Arthur lutou uma batalha feroz contra o seu tio e acabou por ganhar.

Depois da vitória, o antigo rei corou-se a si próprio e voltou a reinar enquanto Arthur, pela primeira vez assumiu o papel de príncipe. A partir daquele dia, eles celebraram 7 dias e 7 noites com os seus súbditos.

Fechei o livro e parei para pensar.

- Afinal, a história não era assim tão curta.

Quando vemos um livro já conseguimos ver o seu fim pela largura, mas quando entramos no mundo literário é como se o livro não tivesse fim e vivemos as aventuras com as personagens.

 

André Gonçalves, Escola Secundária da Portela

O livro tem fim à vista? E a leitura?

Olá! A história que vos trago é sobre um rapaz. O meu melhor amigo. Longe de ser o rapaz- -modelo da nossa aldeia, Aldas. Teimoso. Brincalhão. Inocente. O nome deste rapaz é João.

Esta história começou numa manhã de sábado. Uma manhã amena de primavera.

O quarto de João enchia-se com o cantar dos pássaros e os poucos raios de sol que conseguiam entrar pelas pequenas brechas do estore.

— João! – ninguém respondeu. — João!
Prevaleceu o silêncio.

—João, não ouves?!

Nem o barulho de uma mosca se ouvia. A senhora bateu à porta do quarto. Não obtendo resposta, rodou a maçaneta, empurrou a porta e, ao supervisionar o quarto, com os seus óculos redondos e enormes, deu um berro.

— João, ACORDA e arruma o teu quarto imediatamente!

João saltou rapidamente da cama ao ouvir os gritos da sua tia-avó. Levantou-se de tal forma que ao subir bateu com a cabeça na estante que havia por cima da sua cama.

— O que foi tia? É sábado!...

— O que foi? Estarei eu a ouvir bem? Foi que a tua professora ligou-me, bem cedinho, a dizer que ontem andaste à luta na escola e que o teu comportamento tem vindo a piorar dia após dia. E fica sabendo que combinei com a tua professora que ficarias com um trabalho para segunda-feira. E nem penses em fugir e ir brincar lá para fora! Vou estar a vigiar-te como um falcão!

O silêncio voltou a prevalecer como quando João estava a dormir há cerca de cinco minutos. A tia-avó olhava o sobrinho nos olhos, e já este desviava o olhar a tentar inventar uma desculpa à pressa.

— Explica-te!

— Não tive culpa! Ele é que implicou comigo!

— Terás todo o tempo do mundo para me explicar o que aconteceu, mas agora vais fazer o trabalho. Vais ter de ler um livro e segunda-feira, no início da aula, vais apresentá-lo à turma.

— O quê? Ler?!...

O clima estava tenso na casa dos Silveira. Ler era das coisas que João mais detestava, contudo a conversa entre a tia Maria e o seu sobrinho João foi interrompida por mim, mal toquei à campainha. Quem me abriu a porta foi a Sra. Maria, que explicou o sucedido e disse que este fim de semana não iria poder estar com o João como era habitual. Mas, quando ele se apercebeu que era eu que estava à porta, correu do quarto e falou por cima da tia dizendo:

— Tia, tive uma ideia. Porque é que o André não me ajuda a fazer o trabalho?

— Ora, pois claro, se bem vos conheço, vai ser o André a fazer a leitura e a preparar-te a apresentação. Não! Não! Não! Três vezes não!

Depois de muito tempo a tentar convencer a Sra. Maria, lá conseguimos aquilo que queríamos. Fiquei apenas de dar uma ajuda; o grosso do trabalho teria de ser feito pelo João. Se quebrássemos a promessa feita à Sra. Maria, eu teria de regressar a casa.

Fomos para o quarto do João e, já sozinhos, ele mostrou-me, muito insatisfeito, o livro que tinha de apresentar. A verdade é que o João odiava quase tudo o que tinha a ver com a escola, à exceção de Educação Física e dos intervalos!

Começámos a ler o livro, um capítulo cada um, em voz alta. O João, aos poucos, foi perdendo a cara de amuado e foi ficando mais satisfeito. O livro parecia ter sido feito para ele: contava várias histórias com as quais ele se identificava e foi retirando lições. Percebeu que se que tinha de empenhar mais na escola, que tinha de parar de ser o “menino das piadas” que andava sempre à luta nos intervalos.

Na verdade, não sei se estas lições serão permanentes ou simplesmente passageiras. O facto é que o João pouco precisou da minha ajuda para preparar a apresentação.

De tempos a tempos a Sra. Maria entrava no quarto para inspecionar se estávamos realmente a trabalhar e lá trazia uns bolinhos deliciosos e sumo de laranja.

Passadas umas horas de termos começado a ler o livro e de concluirmos a apresentação, aconteceu o que eu mais temia: a lição que o João tinha retirado do livro era apenas passageira, pois ele comportava-se outra vez como quem não queria saber da escola.

— Nunca mais leio um livro na minha vida – resmungou o rapaz.

— Não aprendes? Não gostaste do livro?

— Sim, mas eu gosto de ler quando não sou obrigado — respondeu ele, fazendo cara de mau, para tentar que eu desse o braço a torcer. Mas eu não cedi.

— Tu, se não fores obrigado, não lês. E ler é muito importante. Sabias, por exemplo, que o hábito da leitura é um dos mais importantes para o desenvolvimento do intelecto e também o caminho mais curto para adquirir conhecimento?

João cortou a conversa, pois sabia que eu iria apresentar mil e um argumentos para ele continuar a ler.

— Ok, pronto, ganhaste! Eu admito que gostei de ler o livro... e quero já ler outro! — Estás a ver, deixares o orgulho de lado fica-te muito bem!
—Ha! Ha! Ha! Que engraçadinho!
A porta abriu-se, e a tia do João entrou no quarto.

— Então, já estão na conversa? E trabalhar, nada?
— Acabámos há pouco a apresentação, tia.
— Muito bem, depois quero ler esse trabalho. É pena, João, que não leias mais... — Em relação a isso, tia...
— Sim?

— Percebi que, afinal, também gosto de ler. Este livro tem o fim à vista, mas a leitura não! — afirmou ele, com um sorriso maroto, piscando o olho... aos leitores deste texto.